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A comunicação está nos detalhes

Por Da Redação
Publicado em 15-06-2024 às 10:21hrs
Por Juliana Scardua

“O diabo está nos detalhes”. Não saberia afirmar a origem da expressão popular. Aplicando-a livremente, fato é que em Comunicação e Direito, detalhes podem conter a intencionalidades bastante específicas e serem alvos de determinadas interpretações, a depender dos filtros de quem os observam. Detalhes, maliciosamente ou não, são elementos na construção narrativa, na história a ser contada, no argumento a ser exposto. Seja na arena da opinião pública, seja na arena dos tribunais, estão lá, os detalhes, a influenciar, em menor ou maior grau, o ato de reputar, de avaliar, de julgar determinada pessoa, marca, acontecimento.

A triste morte de Henrique Chagas, de 27 anos, logo após se submeter a um peeling de fenol, chocou o país. Depreende-se de reportagens sobre o caso que o procedimento dermatológico é bastante agressivo e recomendado a casos clínicos específicos, e que só poderia ter sido feito por um médico.

Para Henrique, a busca por mais autoestima por meio da estética terminou em tragédia. Para Natália “Becker” (sobrenome adotado nas redes sociais), profissional que aplicou a substância e que não tem formação em Medicina, as consequências começam com o indiciamento pelo crime de homicídio com dolo eventual. Enfrentará pesada persecução penal.

No mundo jurídico, a aplicação da expressão dolo eventual significa que Natália, no entendimento da Polícia Civil de São Paulo, não se preocupava se o procedimento poderia causar o resultado morte. Aqui, o detalhe reside na intenção. Conforme o Direito Penal, artigo nº 18, se há dolo, o crime é doloso. Se há culpa, sem intenção de causar determinado resultado, o crime é culposo.

Mas há ainda o dolo eventual, tema de estudos doutrinários e desafio ao julgo do Poder Judiciário, a quem caberá escrutinar a intenção que movia Natália em suas atividades e o nexo de causalidade entre a conduta da profissional e a morte do jovem cliente. O juridiquês ficou complicado? Trocando em miúdos: a própria Justiça reconhece, em vários casos concretos, a dificuldade em detectar e revelar a verdadeira intenção que o acusado de ter cometido determinado crime tinha naquele momento em que tudo aconteceu.

Feitas essas pontuações, passamos ao maior objeto de atenção deste artigo: a gestão de crise de imagem. Após tirar suas badaladas redes sociais do ar, Natália concedeu entrevistas aos programas Fantástico e Domingo Espetacular, da Rede Globo e TV Record, respectivamente. E aqui voltamos aos detalhes. Blusa rosa estampada com personagens da Disney, cabelos escorridos sobre o semblante, sem maquiagem. O que esses componentes da comunicação não-verbal poderiam sugerir? Infantilidade, ingenuidade, docilidade? Um ar de inocência?

Em Comunicação, é possível afirmar, nada é por acaso. No Direito, também. As entrevistas concedidas pela indiciada à grande mídia, o tom de voz adotado e vestimenta, palavras emitidas, tudo isso compõem um conjunto de comunicação, em nossa análise, na tentativa de construir uma narrativa que projete a percepção de inocência, de desconhecimento, de inexistência de dolo. A estratégia jurídica tende a se focar, no desenrolar do caso, em robustecer essa linha narrativa.

Sem entrarmos em questões de dosimetria da pena em Direito Processual Penal, assunto profundamente técnico, para fins de contextualização, acompanhe: a punição por um homicídio simples, doloso, é de 6 a 20 anos de detenção, ao passo que a cabível a um homicídio culposo, vai de 1 a 3 anos. Diferença abissal para quem está no banco dos réus, não é mesmo? Algo longe de meros detalhes.

Juliana Scardua é comunicadora e media trainer

 

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