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VERdade

Crime e paixão: 50 anos da morte de Emanuel Pinheiro Primo

Por Da redação PNBOnline.com
Publicado em 27-07-2024 às 07:00hrs
Nesta sexta-feira, dia 26 de julho, completa 50 anos de um dos crimes mais chocantes da história de Mato Grosso.

Era dia de festa em Chapada dos Guimarães. Dia de homenagem a Nossa Senhora de Santana, padroeira da cidade. Mas aquele 26 de julho de 1974 ficou marcado na história como o dia de um dos crimes mais chocantes da história de Mato Grosso. Às 13h30, no meio das festividades, um homem sacou um revólver e matou a tiros o deputado federal Emanuel Pinheiro da Silva Primo, pai do atual prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, que na época tinha apenas 9 anos de idade. O crime provocou comoção não apenas pela morte do político, mas pela frieza do assassino, pelas repercussões políticas e pelo desfecho: em julgamento, o atirador foi absolvido pela tese de coação moral. Nesta sexta, 26 de julho, o crime completa 50 anos.

O assassino João Lopes da Costa foi preso em flagrante no local do crime. Mas ainda hoje há divergências sobre qual seria a real motivação do assassinato: crime político ou crime passional. E durante o processo, até mesmo o presidente da República, o General Ernesto Geisel, foi procurado pela viúva Maria Helena de Freitas Pinheiro para intervir no caso. O PNB Online localizou a carta que ela escreveu ao presidente pedindo Justiça pela morte do marido.

Emanuel Pinheiro da Silva Primo

O crime

Emanuel Pinheiro da Silva Primo nasceu em Cuiabá, em agosto de 1929. Formou-se em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Foi advogado, procurador e professor da Faculdade de Direito de Mato Grosso. Entrou para a política e foi eleito e reeleito deputado estadual, chegando à Presidência da Assembleia Legislativa de Mato Grosso. Em 1970 foi eleito deputado federal pela Arena. 

O deputado federal, já com vistas à reeleição naquele ano, foi a Chapada dos Guimarães participar da tradicional festividade da padroeira Nossa Senhora de Santana. Ele estava na residência do festeiro João Ovídio, onde almoçou juntamente com outras autoridades locais, como o prefeito de Chapada, Silvino Moreira da Silva. À polícia, o prefeito contou o que presenciou.

Depois da refeição, todos se retiraram da mesa e “foram confabular em uma sala próxima, ainda no interior da residência da festa”. Silvino estava conversando com Emanuel Pinheiro e diz que viu quando o deputado estava em pé, de costas para a porta que dava para a rua, no momento em que chegou ao local João Lopes “já de revólver em punho, seguro com as duas mãos e fora logo atirando imediatamente nas costas do deputado Pinheiro”. Ferido, o deputado caiu nos braços do prefeito. 

Foto da reconstituição do assassinato de Emanuel Pinheiro Primo, que consta no processo

O mesmo relato fez à polícia a testemunha Apolônio Bouret Mello. Ele conta que viu quando João Lopes e a esposa dele, Thermozina Siqueira Lopes da Costa, conhecida como Dona China, entraram no recinto. A testemunha virou-se para cumprimentar algumas pessoas e ouviu os disparos. Quando olhou de volta para o local de onde vinham os tiros “pode ver que o seu compadre João Lopes se encontrava armado de um revólver na mão, ainda com atitude agressiva”. Apolônio saltou em direção ao assassino, mas João Lopes correu para fora da sala.

Em seguida, o assassino se dirigiu ao seu veículo, que estava estacionado ali próximo. Apolônio gritou com seu compadre, que ainda estava com a arma em punho. “Compadre Apolônio”, respondeu João Lopes. “Compadre, me entregue o revólver”, pediu a testemunha. “Você me garante a minha vida?”, questionou o assassino, tendo Apolônio dito que sim.

O assassino entregou a arma a Apolônio. Ambos entraram no veículo de João Lopes e Apolônio dirigiu até a Polícia. “Tenente, estou apresentando João Lopes porque acabou de assassinar o deputado Pinheiro”, diz um trecho do depoimento da testemunha.

Reconstituição após o crime teve participação de testemunhas, mas não do assassino, por questão de segurança.

A denúncia

Trechos da denúncia do Ministério Público apontam outros detalhes do assassinato de Emanuel Pinheiro Primo. “João Lopes da Costa Filho, à traição, agindo como exímio pistoleiro, utilizando-se de um revólver marca Smith Wesson, calibre 38, cano longo, oxidado, cabo de nylon branco (...) atingiu mortalmente sua vítima, deputado federal Emanuel Pinheiro da Silva Primo, nas regiões: costal esquerda, costal direita e lombar esquerda, conforme nos evidencia o Auto de Exame Cadavérico”. 

“Tamanha foi a barbaridade da horripilante cena que, após a prática criminosa, o denunciado quase fôra linchado, pela sua covarde ação, quando tentava a fuga, somente não acontecendo graças à interferência de Apolônio Bouret de Mello, pessoa que o prendeu, entregando-o ao Delegado de Polícia, juntamente com o instrumento do crime”. 

A denúncia que pedia a condenação de João Lopes trazia mais informações sobre o crime. “Na chocante e selvagem cena criminosa, a vítima à vontade, completamente alheia do que lhe estava prestes a acontecer, não teve a menor possibilidade de defesa, morrendo estupidamente, com a premeditada e cruel ação do denunciado João Lopes da Costa Filho, indivíduo altamente perigoso, bastante conhecido pelo seu comportamento não recomendável a um homem de bem”.

Último pedido

Enquanto Apolônio levava o criminoso para a delegacia, o prefeito Silvino Moreira da Silva levava o deputado Emanuel Pinheiro para o hospital da cidade. Outro trecho da denúncia revela o último pedido do deputado. “Ao ser levada para o hospital (...), a vítima, em seus últimos instantes, afirmou que não iria resistir aos ferimentos recebidos, solicitando na oportunidade do mesmo, que cuidasse de sua família, que é composta de seis filhos, morrendo a seguir”.

 

Crime político ou passional?

Em depoimento, João Lopes disse que matou Emanuel Pinheiro porque o deputado federal teria tido um caso com sua esposa, Dona China, em 1970, quando ela era prefeita de Chapada dos Guimarães. Lopes contou que Dona China confessou a ele que ficou hospedada no mesmo quarto de hotel com o deputado durante uma viagem a trabalho, em São Paulo. Naquela oportunidade, João Lopes a fez telefonar a Pinheiro e contar que o marido tinha conhecimento do caso. E que, daquele momento em diante, Pinheiro deveria evitar ir a Chapada dos Guimarães “para não desmoralizá-lo”. 

 

No mesmo depoimento, prestado um dia após o crime, João Lopes disse que estava “completamente arrependido do crime que praticou”. Disse ainda que era pré-candidato a deputado estadual e que com o crime tinha “perdido todas as possibilidades e oportunidades na vida pública”. Ele já havia sido vereador por Chapada.

Em outro depoimento, João Lopes disse que quando soube da traição da esposa, pensou em matar a ela e também o deputado. Mas que “teve tempo bastante para refletir sobre as consequências do seu fato, razão porque procurou perdoar a sua esposa mas pedindo a ela que telefonasse ao deputado Pinheiro para lembrá-lo de que o interrogado era ciente de tudo e que ele, o deputado, procurasse evitá-lo; (...) e que somente no dia do fato retornou o Deputado Pinheiro a Chapada dos Guimarães e em virtude de seu estado emocional acabou por cometer o crime; que o seu ato foi inteiramente praticado por essa questão de moral”. Esta foi a linha de sua defesa, que pedia sua absolvição. 

Carta ao presidente

Maria Helena de Freitas Pinheiro, viúva de Emanuel Pinheiro Primo, escreveu cartas ao presidente da República e ao ministro da Justiça, Armando Falcão, cobrando providências sobre o assassinato. Ela queria que a esposa do réu também respondesse como coautora do assassinato e apontava que o crime tinha viés político e não passional. 

“Dirijo-me diretamente a V. Excia porque sei que nos meios políticos de Mato Grosso a omissão é total e o desejo é grande que se dê a esse crime um caráter passional. Pois com isso destruiria aquela imagem que meu marido sempre soube transmitir de homem leal e cônscio de seus deveres”, escreveu a viúva ao ministro Armando Falcão.

Maria Helena lembra quando, na Convenção Nacional da Arena, o marido dela foi o escolhido para falar em nome de todas as lideranças. “Reconheceram todos em meu marido qualidade para que pudesse expressar o pensamento de todos que ali se encontravam. Vê, V. Excia, que além de um ser humano era uma pessoa digna de confiança e consideração. E não merecia que alguns Judas o traísse e inúmeros Pilatos lavassem as mãos”.

Carta que a viúva Maria Helena encaminhou ao presidente Geisel

Ela continua: “Sem tomar conhecimento do verdadeiro complô armado contra ele, o meu marido, ingenuamente, mas com a consciência tranquila, dirigiu-se para Chapada dos Guimarães sozinho e desarmado, pois nada tinha a temer. E lá, depois de uma reunião, foi alvejado traiçoeiramente, sem que pudesse esboçar o menor gesto de defesa. E o criminoso veio tranquilamente dirigindo seu carro, acompanhado por dois soldados. Ele sabia que teria a cobertura desejada e, que não sabe, prometida? Pois só isso justificaria tal atitude”.

A viúva levantava a suspeita de que o assassino teria cometido o crime por mando de outros e que serviria de testa de ferro. “O que existe Excia é uma cobertura que não se sabe de onde está vindo, impedindo que tudo se esclareça e os verdadeiros culpados sejam punidos”.

“Excia, estou fazendo o que faria qualquer esposa que visse seu marido sem condições de se defender (ele que defendeu a tantos) que não quer ver a memória de alguém a quem muito amou e pai de seus filhos ser injuriada, para conveniência de alguns e convivência de todos. Sem mais, esperando em Deus, que V. Excia tome todas as medidas necessárias que o caso exige”.

As cartas de Maria Helena, escritas em 31 de abril e em 13 de junho de 1975, resultaram em consultas feitas pela Presidência da República e pelo Ministério da Justiça ao então governador José Garcia Neto e à Procuradoria Geral de Justiça para dar detalhes sobre a investigação. 

Em documento à época confidencial, a que o PNB Online teve acesso, a Procuradoria Geral de Justiça explica que as cartas “merecem atenção somente por conterem legítimos sentimentos de uma mãe, viúva brutalmente. Ademais, obviamente traumatizada, percebe-se, também, face à inconteste liderança arenista do marido nesta capital e municípios vizinhos do eleitorado advindo do extinto PDS, cuja reeleição por todos era tida como tranquila; com a vaga da candidatura, naturalmente, esse eleitorado se transferiu aos então potenciais concorrentes da mesma área política. Tal quadro, porém, ontologicamente real, não basta por si só para incriminar a qualquer pessoa”, diz o documento assinado pelo procurador-geral de Justiça, Walter Faustino Dias.

Documento confidencial do Ministério da Justiça ao governador José Garcia Neto

“Preso e autuado o criminoso em flagrante delito, com nota de culpa, o inquérito policial presidido por delegado de Polícia Regional, teve trâmite normal, sendo que se ouviram 12 pessoas, inclusive uma levemente ferida por estilhaço de projetil transvasante do deputado”, diz trecho de documento sigiloso, número 460/75, da Procuradoria Geral de Justiça.

Na carta ao presidente Geisel, a viúva reclama que o assassinato teve cunho político mas estava sendo tratado como um caso passional. Ela lembrou que o crime ocorreu uma semana antes da convenção regional da Arena, em que devia ser decidida a candidatura de Emanuel Pinheiro, “pois seria o possível escolhido por não ter atrito em nenhuma área política, quer na ex-UDN ou no ex-PSD”.

“Não é justo que se queira agora, por politiqueiros sem gabarito, com uma ambição envenenada, sabendo que pela concorrência leal e honesta de igual para igual jamais conseguiriam chegar à Câmara Federal, pois não tinham competência para tanto, preferiram usar a arma dos covardes, que é a traição, e realizar um desejo que jamais pelo valor pessoal conseguiriam”.

A viúva disse ainda que o assassino teria recebido recompensa para matar e ocultar a verdadeira motivação, que seria tirar o marido da política. “Mataram meu marido e fizeram do seu nome uma bandeira com fins eleitoreiros. Para isso arranjaram um matador que, por ignorância, aceitou as recompensas que lhes prometeram. Vossa Excelência, acredite, que do homem mais humilde ao mais esclarecido entendem e vê que esse crime não foi como querem, um crime passional, e sim um crime puramente político”.

A viúva reclama também, na carta ao presidente, da ausência dos amigos no momento de dificuldade que passava.

“O que havia em quantidades de amigos, não os tínhamos em qualidades. Hoje nem com um binóculo de longo alcance consigo vê-los. Se os procuro em nome de uma amizade, não me falta a gentileza, mas o silêncio e a omissão é total. Será por medo de envolvimento ou por covardia mesmo? Sabe-se muito bem que existe uma força oculta impedindo que se arranque a cortina da mentira, pois os envolvimentos seriam muito grandes e a verdade somente a verdade apareceria, com toda nitidez, desmascarando o complô armado contra meu marido. Não interessam a eles dar ao crime um caráter político. Mas os fatos estão gritando mais alto”.

E finalizou pedindo e cobrando providências. “Excia, peço-lhe pelo seu bondoso e magnânimo coração onde a característica de todo leonino (meu marido também era do signo de leão) é a lealdade e justiça, não deixe que o apelo de uma esposa e mãe caia no vazio e não encontre eco. Espero em Deus que V. Excia atenda ao meu apelo de Justiça e que mais tarde meus filhos não tenham nada a me cobrar, sabendo que até a nossa mais alta autoridade sua mãe recorreu em favor da verdade”.

Os apelos, no entanto, foram em vão.

Julgamento e absolvição

Em março de 1976, João Lopes da Costa Filho sentou no banco dos réus e foi julgado. Depois de mais de 13 horas de julgamento, ele foi absolvido sob o pretexto de coação moral, que é quando a pessoa se sente confrontada e age por impulso para cometer um crime. A Promotoria pedia a condenação do assassino, mas a defesa dele conseguiu comprovar, usando até mesmo fichas de entradas em hotéis, que Emanuel Pinheiro Primo teria um romance com Thermozina, a Dona China. Por 4 votos a 3, o assassino João Lopes foi absolvido.

Dona China morreu vítima de problemas cardíacos, em 2014, aos 85 anos. Já João Lopes morreu recentemente.

Lembranças do pai

Em um vídeo da campanha eleitoral em 2017, Emanuel Pinheiro falou sobre a perda do pai. Muito emocionado, o atual prefeito lembra que, depois da tragédia, teve muito medo de também perder a mãe. “Após o assassinato do meu pai, eu tinha pânico de perder a minha mãe. Eu tinha 9 anos e eu tinha um desespero em perdê-la. Eu não sabia bem o que era aquilo, morte, perder, tanto é que eu achava que meu pai havia viajado, que ele ia voltar. Então, eu tinha medo que ela fizesse a mesma viagem”.

 

Em outro vídeo, publicado nos Dia dos Pais em 2018, Emanuel Pinheiro também fala da última lembrança que tem do pai.

Veja no vídeo abaixo:

 

 

 

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