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VERdade

Documentos vazados e 330 políticos e empresários em paraísos fiscais

Por Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ
Publicado em 04-10-2021 às 01:00hrs
Investigação foi conduzida por mais de 600 profissionais do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos. No Brasil, foram citados o presidente do BC, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Ambos negam irregularidades nas suas empresas mantidas no exterior.
Documentos vazados e 330 políticos e empresários em paraísos fiscais

 

O Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) publicou neste domingo (3) reportagens citando mais de 330 políticos, funcionários públicos de alto escalão, empresários e artistas de 91 países e territórios que têm ou tinham empresas offshore, ou seja, fora de seu domicílio fiscal e abertas em locais conhecidos como paraísos fiscais, pois cobram pouco ou nenhum imposto e protegem o sigilo bancário do cliente.

As informações foram obtidas em 11,9 milhões de documentos de escritórios administradores de offshores em todo o mundo, aos quais o consórcio teve acesso.

Participaram da investigação 615 jornalistas de 149 veículos em 117 países. No Brasil, fizeram parte da apuração jornalistas do site Poder360, da revista "piauí", da Agência Pública e do site Metrópoles.

O material está sendo analisado há cerca de um ano e foi divulgado neste domingo (3), em uma série de reportagens batizada de Pandora Papers. No Brasil, foram citados nos documentos o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Os documentos secretos também listam negociações envolvendo líderes mundiais, como o rei da Jordânia; os presidentes de Ucrânia, Quênia e Equador; o primeiro-ministro da República Tcheca; e o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair (leia mais sobre eles ao final desta reportagem). Pessoas próximas ao presidente da Rússia, Vladimir Putin, também aparecem na relação.

Segundo o ICIJ, Guedes e Campos Neto tinham empresas em paraísos fiscais e mantiveram os empreendimentos mesmo depois de terem entrado para o governo do presidente Jair Bolsonaro, no início de 2019.

Campos Neto, segundo o consórcio, teria fechado sua empresa cerca de 15 meses depois de ter assumindo o comando do Banco Central. Guedes ainda mantém a empresa ativa. Ambos negam irregularidades nas suas empresas mantidas no exterior.

No caso de servidores públicos brasileiros, o artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras – no Brasil ou no exterior – que possam ser afetadas por políticas governamentais (leia mais abaixo sobre isso no tópico 'O que diz o Código de Conduta').

 

O que é uma offshore

 

A offshore é um instrumento que pode ser usado legalmente para fazer negócios internacionais ou planejamento tributário, desde que isso seja declarado à Receita Federal e ao Banco Central. É preciso informar anualmente, na declaração do Imposto de Renda (IR), que o valor permanece na offshore. A origem do dinheiro também tem de ser lícita.

Sócio do Sacha Calmon-Misabel Derzi Consultores e Advogados, Tiago Conde afirma ao g1 que a grande diferença de uma offshore e uma empresa convencional aberta no exterior é que a offshore normalmente é aberta em locais considerados paraísos fiscais (cobram pouco ou nenhum imposto). A função da offshore é gerenciar o dinheiro aplicado. "Nesse ponto, não há ilegalidade", diz Conde.

Ele também explica que, como a offshore nasceu e tem atividades em outro países, ela não precisa pagar imposto ao Fisco brasileiro sobre ganhos de capital. A tributação ocorre somente no momento da repatriação (quando o dinheiro retorna ao Brasil).

As ilegalidades ocorreriam quando não se paga imposto ao repatriar o dinheiro e quando não se informa à Receita Federal quanto ao envio e à manutenção do dinheiro numa offshore. Nesses casos, o crime cometido seria o de "evasão de divisas".

 

Offshores de Guedes e Campos Neto

 

Segundo o consórcio de jornalistas, o ministro Paulo Guedes tem a offshore Dreadnoughts International Group nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal.

Uma reportagem publicada no site da revista "piauí" neste domingo informa que, quando a empresa foi criada, em setembro de 2014, Guedes depositou US$ 8 milhões. Depois, a cifra foi elevada para US$ 9,5 milhões, até agosto de 2015. O ministro mantém a empresa ativa.

Segundo os documentos, quando abriu a Dreadnoughts Internacional, Guedes tinha como sócia sua filha, a empresária Paula Drumond Guedes. Ao criarem a empresa, os subscreveram (transferiram) 50 mil ações de US$ 160 cada, o que totalizava US$ 8 milhões. O valor foi depositado no Crédit Suisse em Nova York.

Em maio de 2015, a mulher de Guedes, Maria Cristina Bolívar Drumond Guedes, ingressou na offshore como acionista e diretora, de acordo com a reportagem.

Durante o ano de 2015, Guedes, a mulher e a filha transferiram mais US$ 1,55 milhão para a offshore. Desde então, conforme os documentos obtidos pelo ICIJ, não houve novo aporte nem retirada de capital na empresa.

De acordo com a reportagem da "piauí", devido à alta da taxa de câmbio desde que virou ministro, os US$ 9,55 milhões de dólares de Guedes nessa conta no paraíso fiscal tiveram uma valorização que chegou a R$ 14,5 milhões de reais.

Já Campos Neto aparece nos documentos como dono da Cor Assets S.A., uma offshore com sede no Panamá, que também é um paraíso fiscal. Segundo o consórcio, Campos Neto criou sua offshore em 2004, com US$ 1,09 milhão. Dois meses depois de fundá-la, o atual presidente do Banco Central transferiu mais US$ 1,08 milhão para a conta da empresa.

De acordo com a reportagem, Campos Neto continuava como controlador da empresa quando assumiu o posto de presidente do Banco Central, em 2019, mas fechou a offshore cerca de 15 meses depois. Segundo o consórcio, não é possível saber quanto dinheiro Campos Neto tinha na empresa quando ela foi fechada.

Ainda segundo as reportagens do Pandora Papers, a Cor Assets, quando foi criada, tinha dois diretores – Campos Neto e sua mulher, a advogada Adriana Buccolo de Oliveira.

 

Possível conflito de interesses

 

O tributarista Márcio Calvet Neves, sócio da CalvetNeves e membro do conselho deliberativo do Instituto de Justiça Fiscal (IFJ), explica que a declaração para o Banco Central precisa ser feita para quem possui o equivalente a US$ 1 milhão ou mais no exterior.

O valor foi estabelecido pelo governo Bolsonaro, em 2020, através do Conselho Monetário Nacional (CMN), formado pelo ministro da Economia, pelo presidente do Banco Central e pelo secretário de Tesouro e Orçamento.

 

Até julho de 2020, pessoas e empresas que tinham ativos acima de US$ 100 mil fora do país eram obrigadas a fazer o registro no Banco Central. "Ou seja, houve um afrouxamento da regra", afirma Neves.

O tributarista também chama a atenção para o fato de o ministro Paulo Guedes manter ativa uma offshore em meio às discussões sobre uma reforma tributária. "A primeira versão [da reforma tributária], enviada pelo governo, tinha vários instrumentos para tributar o lucro auferido na offshore. Depois, já na segunda versão, esses instrumentos saíram", lembra Neves.

Para o advogado, há um claro conflito de interesses. "O que eu acho preocupante é que você vê um ministro da Economia que nunca fez força para tributar esses lucros em paraísos fiscais."

 

O que diz o Código de Conduta

 

No artigo 5º, o Código de Conduta da Alta Administração Federal, de 2000, proíbe funcionários do alto escalão de manter aplicações financeiras – no Brasil ou no exterior – que possam ser afetadas por políticas governamentais.

"É vedado o investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas, em razão do cargo ou função, inclusive investimentos de renda variável ou em commodities, contratos futuros e moedas para fim especulativo, excetuadas aplicações em modalidades de investimento que a CEP venha a especificar", diz o artigo.

As penas para quem infringe a regra vão de advertência à recomendação de demissão. Segundo o Código de Conduta, as autoridades públicas são obrigadas a declarar seus bens à Comissão de Ética Pública até dez dias após assumirem o cargo.

 

O que dizem Guedes e Campos Neto

 

O Ministério da Economia divulgou a seguinte nota neste domingo:

"Toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada. As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade.

Desde que assumiu o cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão.

Cumpre destacar que o próprio Supremo Tribunal Federal já atestou a idoneidade e capacidade de Paulo Guedes exercer o cargo, no julgamento de ação proposta pelo PDT contra o Ministro da Economia".

Questionado pela revista "piauí" sobre a offshore, Campos Neto respondeu:

"As empresas estão declaradas à Receita Federal e foram constituídas há mais de 14 anos com rendimentos obtidos ao longo de 22 anos de trabalho no mercado financeiro, decorrentes, inclusive, de atuação em funções executivas no exterior. Não houve nenhuma remessa de recursos às empresas após minha nomeação para função pública. Desde então, por questões de compliance, não faço investimentos com recursos das empresas. Questões tributárias não são atribuição da minha função pública".

Segundo a revista, Campos Neto afirmou também que, nos documentos entregues ao Senado em janeiro de 2019, quando foi sabatinado para o cargo de presidente do BC, informou ser proprietário de quatro empresas no exterior, incluindo a Cor Asset, com recursos próprios e sem movimentação recente.

 

Casos internacionais

 

O presidente da Rússia, Vladimir Putin, também aparece entre os mais de 300 citados nas reportagens do Pandora Papers. Ele não aparece nominalmente nos documentos, mas pessoas próximas a ele constam da lista como donos de ativos em Mônaco.

O melhor amigo do líder russo, Petr Kolbin, que é chamado de "a carteira" pelos críticos de Putin, são citados, assim como uma mulher com quem Putin supostamente teve um relacionamento.

O rei da Jordânia, Abdullah II, tem propriedades no valor de 70 milhões de libras (R$ 508 milhões) em imóveis no Reino Unido e nos Estados Unidos.

O primeiro-ministro da República Tcheca, Andrej Babis, tem uma empresa em um paraíso fiscal que ele usou para comprar propriedades no valor de 12 milhões de libras (R$ 87 milhões) no sul da França.

O presidente do Equador, o ex-banqueiro Guillermo Lasso, usava uma fundação com sede no Panamá para pagar dinheiro todos os meses para seus familiares. Ele parou de dar dinheiro aos seus parentes dessa forma, mas, agora ele usa um truste (uma espécie de fundo) com base no estado de Dakota do Sul, nos Estados Unidos, para fazer esses pagamentos.

O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, também tinha uma empresa em um paraíso fiscal, mas ele tirou os valores da conta da empresa antes de vencer as eleições no seu país, em 2019.

O presidente do Quênia, Uhuru Kenyatta, e seis pessoas da família dele, são sócios de uma rede de empresas com sede em outros países: são 11, no total. Uma delas têm cerca de 30 milhões de libras (cerca de R$ 218 milhões).

Pessoas próximas do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, são as donas secretas de empresas e trustes que têm contas com milhões de dólares.

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