Vale registrar que a Rua de Baixo durante a evolução urbana de Cuiabá recebeu os seguintes nomes: 1777 – De Baixo; 1825 – De Baixo; 1850 - 1° de dezembro; 1871 – Rua Direita; 1874 – 1° de março e atualmente Galdino Pimentel. No caso da rua do Oratório foram: 1777 – Largo do Palácio; 1825 – Do Oratório; 1850 – Do Senhor dos Passos; 1871 – Do Senhor dos Passos; 1874 – 7 de setembro aos dias atuais.
Esse acontecimento ficou registrado nos Anais da câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, em relato referente ao ano de 1790, assim: “Se erigiu um chafariz no largo que fica para cá da ponte do Rosário conduzindo-se água para a bica denominado o Arnesto, e principiou a correr muita água no chafariz no fim de agosto, cuja obra é a mais útil, e bem comum do povo”. Os documentos informam que esse local era uma chácara de propriedade do senhor Ernesto e não Arnesto.
O ano de 1790 pode ser tomado como emblemático, na ativação da vida urbana na Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Nesse ano, comemorou-se longa e ostensivamente o aniversário do Juiz de Fora - Diogo de Toledo Lara Ordonhes, à época ocupando interinamente o cargo de ouvidor. As festas públicas realizadas em homenagem ao magistrado estenderam-se de 6 de agosto a 11 de setembro.
Em 15 de agosto de 1790, um domingo foram apresentadas na Praça Real, cujo nome é Largo da Mandioca desde 1977 ou Praça Real, atual Praça Conde de Azambuja desde 1890, “seis contradanças, passapiés de dois e a quatro, minuetos simples, a quatro e figurados, minuetos da corte”. No domingo seguinte, 22 de agosto, mais danças (“minueto, contradança comprida, bem sabida e trabalhosa, pelos pulos ou quartos que faziam”); na segunda-feira, 23, apresentaram os “dançantes do dia antecedente”; em 29 de agosto, outro domingo, “dançaram a Tirana”; e na terça-feira, 31 de agosto, “muitas árias, que executaram bem, pois eles todos [os pardos] são curiosos na cantoria, além de que a dama que fazia o papel de Honória é músico de profissão, de voz e estilo. (...) principiou e acabou a ópera por um coro (...). ”
Como o chafariz do Rosário começou a funcionar “no fim de agosto” do ano de 1790, é possível supor que o início de suas atividades tivesse algo a ver com as comemorações natalícias de Diogo de Toledo. Essa possibilidade é reforçada pelo fato de Joaquim da Costa Siqueira, íntimo de Ordonhes, estar por sua vez presidindo a câmara da Vila Real, também interinamente.
A quase nenhuma atenção dada pelos Anais da Câmara da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá à construção do chafariz do Rosário e, particularmente, o silêncio sobre a construção do aqueduto sobre o Prainha, resultou em mais de dois séculos de invisibilidade desse equipamento urbano – nos estudos da história da Vila Real. Esse longo esquecimento contribuiu também para que aqui, como em outras partes do Brasil, a longa história das águas urbanas continuasse “uma história ainda pouco conhecida”.
A manutenção de fontes públicas na Vila Real mostra existência (mesmo que deficiente) de sistema de abastecimento de água doce potável. Das fontes às casas, a água era transportada por escravos. Algumas residências tinham poços nos quintais. Tudo leva a crer que das águas do córrego Prainha não se bebia: “a presença de algum azougue (mercúrio) das lavagens do ouro, além de lixo, tornava perigosa sua água”. Aparentemente a prática de jogar-se dejetos em córregos e outros locais dentro ou próximos do centro urbano era recorrente, - apesar das posturas e das ações da câmara: “dejetos eram jogados nos córregos e em lugares impróprios”.
Essa não utilização das águas do Prainha para ingestão atravessou séculos. Em 1872, por exemplo, testemunhas juramentadas em processo judicial declararam ser prática comum (embora transgressiva) “pessoas satisfazer necessidades físicas” nas margens e no leito do Prainha. Como essas testemunhas, praticamente toda a população da cidade devia estar advertida sobre a contaminação das águas do Prainha.
Em fins do século XVIII representantes da coroa portuguesa na capitania eram incentivados a indicar jovens estudantes para cursos universitários, custeados com dinheiro da Fazenda Real. Dentre esses cursos, merece destaque aqui o de engenharia hidráulica. Em 1808, há referências a um “Chafariz” na Mandioca.
Por volta de 1817, o governador e capitão-general João Carlos Augusto de Oeynhausen Gravenburg (depois Marquês de Aracati) reassumiu o projeto de canalização das águas do Mutuca, não mais apenas para lavagens de mineração no Jacé (hoje nas proximidades do bairro Carumbé), mas também para “encaminhamento d‘água do ribeirão Mutuca (rodovia da Chapada dos Guimarães), para o abastecimento da Vila”. Não deu certo.
Em 1830, (...) a câmara fez abrir de novo e por melhor plano, a fonte do Ernesto, denominada do Rosário; ela trabalhou o melhor de sete meses em um serviço longo e bastantemente fundo; em proporção ao trabalho a despesa foi pequena; enfim, a obra ainda existe ultimada, porém já em modo que fertiliza a cidade de água, ainda na estação mais calorosa, e esta obra é devida à filantropia do presidente da câmara e transato fiscal. Essa fonte está soterrada em algum lugar no centro histórico da cidade de Cuiabá lá pelas bandas do Morro da Luz. Assim, as águas explicitas que tão bem serviam a cidade, principalmente, nos períodos calorosos desapareceram.
Quem sabe governantes futuros entendam que há necessidade desses equipamentos nas praças e parques, em função do bem-estar e da saúde da população nesse período. Que venham Fontes e Chafarizes na Mandioca, na Praça Ipiranga, na Praça Santos Dumont, na Praça Clóvis Cardoso, no Porto, no parque Massairo Okamura, no Parque Mãe Bonifácia, etc e, uma gestão dura no tratamento dos esgotos da cidade, principalmente, com o objetivo de despoluir os nossos rios, córregos, riachos, praias, a fim de que a população possa participar de ambientes limpos e saudáveis.
(*) NEILA BARRETO é Jornalista. Mestre em História. Membro da AML e atual presidente do IHGMT.
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