CULTURA

O homem que dirigiu e moldou o comissariado contra os Arautos do Evangelho

Por Da Redação
Publicado em 01-12-2025 às 18:02hrs
Cardeal João Braz de Aviz

Os Arautos do Evangelho, uma associação internacional reconhecida pela Santa Sé em 2001, enfrentam desde 2017 um processo excepcional: primeiro uma visita apostólica e depois um comissariado pontifício imposto em 2019. O caso, um dos mais complexos e controversos dos últimos anos, é apresentado no livro O comissariado dos Arautos do Evangelho. Crónica dos factos 2017-2025. Punição sem diálogo, sem provas, sem defesa, como uma história marcada por decisões contraditórias, silêncios administrativos, críticas à falta de transparência e um clima prolongado de desconfiança entre Roma e a instituição.

Nesse cenário, uma figura concentra a maior parte da responsabilidade e da direção do processo: o cardeal João Braz de Aviz, prefeito do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica (DIVCSVA) durante toda a intervenção.

O que o livro reconstrói não é apenas o seu papel formal, mas o pano de fundo das suas decisões, a sua atitude pessoal em relação aos Arautos e a influência determinante que exerceu durante anos. A partir da Infovaticana, apresentamos uma reconstrução do perfil de Braz de Aviz, conforme exposto na obra do Prof. Dr. José Manuel Jiménez Aleixandre e da Ir. Dra. Juliane Vasconcelos Almeida Campos.


Um prefeito com controlo absoluto do processo

Como prefeito do dicastério responsável pela vida consagrada, o cardeal Braz de Aviz dirigiu a visita apostólica e teve a última palavra na decisão de impor um comissariado. A sua assinatura aparece nos documentos-chave. Foi ele quem declarou concluída a visita apostólica em 3 de outubro de 2018, numa comunicação interna dirigida aos visitadores. No entanto, os próprios Arautos nunca receberam essa notificação e, um ano depois, o mesmo ato jurídico se repetiu no decreto de 21 de setembro de 2019, que também decretava a intervenção. Segundo o livro, essa duplicação do encerramento da visita não tem justificativa clara e reflete a gestão irregular que caracterizou a atuação do dicastério.

Nesta fase, o cardeal manteve distância tanto dos Arautos como do próprio comissário pontifício. Foram várias as tentativas da instituição para ser recebida, todas sem resposta. Até mesmo o comissário, o cardeal Raymundo Damasceno, afirmou que, em algumas ocasiões, ele também não foi atendido. Braz de Aviz costumava limitar-se a dizer: «Vocês são os comissários, resolvam isso», deixando evidente a sua desconexão com o desenvolvimento do processo que ele mesmo havia impulsionado.
Uma animosidade prévia que define o tom

O livro traz testemunhos que mostram que a atitude do cardeal em relação aos Arautos não começou com a visita apostólica, mas muito antes. Anos antes de assumir o cargo em Roma, quando ainda era arcebispo no Brasil, ele reagiu com desagrado à simples menção da instituição. Segundo o relato de um advogado que mantinha contato com ele, o cardeal chegou a dizer:

“Não simpatizo com essa instituição... O problema é que não suporto a sua pureza”.

Esta frase, reproduzida no livro, revela uma rejeição anterior a qualquer avaliação canónica, baseada em considerações pessoais mais do que jurídicas.

Uma década mais tarde, já instalado no Vaticano, outro cardeal brasileiro, José Freire Falcão, confirmou que a postura de Braz de Aviz continuava a ser a mesma. Em seu testemunho, ele afirmou que não era possível abrir uma casa dos Arautos em Brasília enquanto ele estivesse na diocese “porque os odeia”. Esse tipo de declaração, recolhida no livro, reforça a tese de que a animosidade pessoal antecedeu e condicionou todo o processo oficial.

Decisões que mudam o curso da intervenção

O peso dessa atitude refletiu-se nas decisões fundamentais. Depois de declarar encerrada a visita apostólica sem avisar os visitados, o cardeal assinou o decreto que impôs o comissariado em 2019. O livro indica que, mesmo antes desse ato formal, o prefeito teria comentado com os detratores da instituição que planeava enviar um comissariado após a Páscoa. Uma jovem pertencente a um grupo opositor afirmou ter recebido essa informação diretamente do cardeal numa audiência privada em abril daquele ano. Esta versão sugere que a decisão foi tomada antecipadamente, sem esperar pelos processos habituais de discernimento institucional.

A relação do prefeito com os detratores também contrasta com a indiferença demonstrada para com os Arautos e para com o próprio comissário. O cardeal Damasceno explicou numa reunião que Braz de Aviz não podia influenciar a comissão, admitindo mesmo que o prefeito era «parcial» e que essa parcialidade questionava a credibilidade do processo. O comissário deixou claro que a sua missão provinha da autoridade do Papa, não do prefeito, e que não era obrigado a seguir diretrizes que desvirtuassem o trabalho que lhe fora confiado.

Um estilo de governo que gera opacidade e incerteza

O livro apresenta o cardeal Braz de Aviz como um prefeito que agiu com secretismo, falta de diálogo e decisões unilaterais. A sua recusa em receber os Arautos, a sua recusa em se reunir com o comissário em momentos-chave e a duplicação de atos jurídicos alimentaram a percepção de um processo pouco transparente. Também não deu explicações claras sobre os supostos motivos da comissão, que nunca foram comunicados formalmente aos afetados e que, segundo o texto, não se sustentam à luz dos relatórios oficiais obtidos durante a visita apostólica.

A isso se soma a contradição entre as suas palavras e as suas ações: por um lado, exigia correções e vigilância; por outro, ignorava os relatórios do comissário e preferia atender pessoas alheias ao processo formal, muitas delas ligadas a grupos críticos dos Heraldos. Para o autor do livro, esse estilo de governo enfraqueceu a legitimidade do comissariado e tornou praticamente impossível uma resolução ordenada.

A figura determinante de um processo prolongado

O cardeal João Braz de Aviz não só dirigiu a intervenção contra os Arautos do Evangelho a partir da autoridade do seu cargo, como influenciou o seu desenvolvimento com uma postura pessoal crítica em relação à instituição. A sua forma de agir, baseada em silêncios, decisões incompletas e uma distância marcante em relação aos afetados, prolongou a comissão e contribuiu para um clima de desconfiança do qual a instituição ainda não conseguiu sair. Para quem lê o caso de fora, o nome do prefeito aparece como o fio condutor de todos os momentos decisivos, e a sua figura como o fator humano que mais pesou na evolução — ou no estagnação — do processo.

 

 

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