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ECONOMIA

Potência do agro e sertanejo, Centro-Oeste cresce mais que dobro do Brasil e cumpre 'sonho de JK'

Por Da Redação BBC News
Publicado em 07-07-2023 às 08:49hrs
Mato Grosso e Goiás se destacam pelo poder econômico do Agro

O Censo 2022, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta quarta-feira (28/6), revelou que o Centro-Oeste foi a região que registrou o maior aumento populacional do Brasil.

Depois de se impor como potência do agronegócio e como hegemonia musical com o sertanejo, a região menos populosa do país, com 16,3 milhões de habitantes, desbancou o Norte e agora é a que mais cresce. Avançou 1,23% enquanto a população do país cresceu 0,52% nos últimos 12 anos. A região com a menor taxa de crescimento foi o Nordeste, com 0,24%.

Apenas com novos dados do Censo e de futuras pesquisas será possível explicar esse crescimento, mas, em entrevista à BBC News Brasil, o professor de economia, administração e sociologia na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP) Carlos Eduardo de Freitas Vian afirmou que o Centro-Oeste atrai muitas pessoas porque se tornou um polo de oportunidades.

"Isso motiva todas as ondas de migração e ainda está acontecendo. Hoje, você tem oportunidades em grandes indústrias que se instalaram no Centro-Oeste."

"Antes, migrar para a região era uma grande aventura, mas isso mudou e virou uma referência no crescimento e geração de emprego, ao contrário de outras que estão em estagnação, seja na agricultura ou no setor de agroindústrias", diz Vian.

O professor explica que a região oferece empregos em diferentes áreas além do campo, por exemplo na indústria e no setor de serviços.

O crescimento agrícola do Centro-Oeste atrelado a uma crescente preocupação com a área ambiental causou um aumento exponencial, segundo ele, da migração recente de profissionais especializados em certificação ambiental para a região.

A oferta de empregos também pode explicar, ao menos em parte, o boom populacional em algumas cidades da região em relação ao restante do país.

Segundo a mais recente pesquisa PNAD Contínua trimestral do IBGE, a taxa de desocupação no Centro-Oeste está em 7%, inferior à média nacional de 8,8%. É a segunda menor taxa do país, à frente apenas da região Sul, com 5%.

Considerando as cidades brasileiras com mais de 100 mil habitantes, aquela que teve a maior taxa de crescimento da população foi uma cidade de Goiás: Senador Canedo, com uma taxa anual de 5,23%.

Esse município, an região metropolitana de Goiânia, foi o que teve o maior crescimento proporcional da população no acumulado dos anos: em 2010, tinha 84.443 habitantes, passando para 155.635 em 2022 — um crescimento de 84,3%.

Há várias outras cidades do Centro-Oeste no ranking das cidades que mais cresceram, como Sinop (MT) e Sorriso (MT).

E a influência da região vai além das questões mais ligadas à produção do agro.

Nas últimas décadas, O Centro-Oeste também se tornou um grande celeiro musical do país, principalmente da música sertaneja.

São dezenas de artistas que despontaram entre os mais populares do país, como Marília Mendonça, Michel Teló, Maiara & Maraísa e Gusttavo Lima, que nasceu em Minas Gerais, mas teve seu sucesso reconhecido em Goiás.

Em um levantamento divulgado em março pela plataforma de streaming Spotify, seis dos dez artistas mais tocados no verão de 2023 nasceram no Centro-Oeste. São cantores que exaltam em parte de suas letras o orgulho de viver da fazenda e viver a vida sertaneja.

Atualmente, a TV Globo também exibe a novela Terra e Paixão, que relata o dia a dia no campo.

Mas, por mais que o professor da Esalq também ressalte o crescimento econômico e visibilidade da região, ele afirma que ainda está longe poder falar que o Centro-Oeste pode se tornar a "locomotiva do país", já que o Estado de São Paulo ainda corresponde a cerca de um terço do PIB brasileiro, com 44,4 milhões de habitantes - cerca de um quinto da população do país.

Apesar da influência cultural e da força econômica, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Centro-Oeste é a região com o menor colégio eleitoral do país, com 11,5 milhões de eleitores. A região Sudeste é a maior, com cerca de 67 milhões, o equivalente a 42% do eleitorado.

A marcha da expansão

O professor Vian afirma que, para entender o crescimento atual do Centro-Oeste, é preciso retroceder "uns 40 anos".

"A partir dos anos 1970, o país começou a ter um projeto de integração nacional e expansão da fronteira agrícola. Na época, começaram a levar projetos de interiorização, alguns estatais e outros privados. No mesmo período, começaram a migrar para lá pessoas do Centro-Sul, como paranaenses, catarinenses e gaúchos", diz o professor.

Ele explica que essas pessoas vendiam suas terras no Sul e, com o dinheiro, podiam comprar áreas muito maiores no Centro-Oeste, numa aposta de aumentar a produtividade e a renda.

No início, explica Vian, a área foi usada majoritariamente para a pecuária. Mas os fazendeiros adaptaram outras culturas para a região, como a soja e, mais recentemente, o milho.

O constante investimento em infraestrutura, como rodovias, escolas e hospitais tornou a região cada vez mais atrativa.

O especialista afirma que novas cidades passaram a surgir nesse período, algumas planejadas. Mas o grande boom começou, segundo ele, a partir dos anos 1990 e 2000, quando o Brasil começou a ganhar importância no mercado internacional de grãos.

"A grande produção de soja e carne tornou a região importante. Em 1980, iniciou a segunda fase dessa ocupação agrícola, com a migração de empresas agroindustriais para a região, com usinas de açúcar, etanol e processamento de soja. Nos anos 2000, surgiram as processadoras de carne, frango e uma nova infraestrutura de distribuição e escoamento de produtos agrícolas. Isso gerou uma capacidade de aproveitar melhor a produção", afirmou.

O sonho de Juscelino

O professor disse que hoje estamos próximos do auge dessa expansão, com a modernização de cidades, opções de lazer e educação, relevante produção agrícola, distribuição e cooperativas de produção.

Para ele, já é possível dizer que o sonho do ex-presidente Juscelino Kubitschek (1956-1961) de interiorizar o país se realizou. Algo que surgiu a partir da decisão dele de construir Brasília e transferir a capital para o Centro-Oeste.

"A internalização da capital foi o primeiro passo. A soja foi a principal cultura responsável pelo sucesso da região, mas o milho também está se tornando relevante. Hoje, ainda existe perspectiva de que uma variedade de trigo desenvolvido pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tenha potencial para ser produzida no Centro-Oeste e expandir novos horizontes em breve", disse.

O próprio IBGE informou que o Censo revela a força da interiorização da população brasileira, "se destacando numericamente municípios localizados tanto no Norte, como no Centro-Oeste, em seguida àqueles situados no Sudeste e numa faixa contínua entre o litoral catarinense e o entorno de Curitiba (PR), no Sul".

Carlos Vian explica que um novo modelo de negócio agroindustrial multidisciplinar deve impulsionar ainda mais o crescimento do Centro-Oeste.

"Trata-se do processo no qual temos dentro da mesma propriedade a produção de grãos, a pecuária e a madeira. Isso deve atrair outras agroindústrias de grande porte, como madeireiras. Ter no mesmo local a agricultura, o gado e a indústria de processamento reduz muito os custos", afirma.

Os Estados de Mato Grosso e Goiás são apontados pelo IBGE como os destaques do povoamento da região, com crescimento de 1,57% e 1,36%, respectivamente.

"No Centro-Oeste, chama atenção a interiorização do povoamento a partir do eixo que se forma em torno de Brasília-Goiânia, fazendo com que Goiás se diferencie nessa região pela densidade atingida pelos municípios da concentração urbana formada em torno da capital federal e da capital estadual", diz o instituto.

Dependência da China

O professor da Esalq afirma que não há dúvidas de que o grande crescimento da região Centro-Oeste ocorreu a partir da melhoria na inserção internacional do Brasil no mercado de grãos a partir dos anos 2000.

O levantamento mais recente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a região é responsável por cerca de 50% de todos os grãos produzidos no país. Para a soja, especificamente, o número também fica na casa dos 50%.

No entanto, ele diz que é necessário tomar cuidado com os riscos que existem devido à grande influência, principalmente da China, como compradora majoritária de produtos da região.

"Vender para o gigantesco mercado da China foi uma oportunidade que a gente aproveitou, mas é necessário observar os riscos dela. Algo que a gente tem discutido é que temos uma dependência muito grande da China e precisamos contrabalançar a importância desse país", afirma.

"O ideal seria tentar diversificar um pouco mais nossas exportações. Talvez conseguir acessar um pouco mais o mercado europeu e fazer um convênio mais forte com o Mercosul."

Apesar de esperar por uma safra recorde de soja em 2023, economistas também veem como um alerta o anúncio feito pela China de que expandirá a área destinada ao plantio de soja no país.

A decisão foi tomada para tentar se aproximar da autossuficiência na produção do grão após temer um desabastecimento durante a pandemia da covid-19.

Impacto ambiental

A tentativa cada vez maior de tentar expandir essas produções e ampliar os recordes de produção do agronegócio também acende um alerta em relação ao crescimento do desmatamento no Cerrado.

Uma reportagem da BBC News Brasil publicada há duas semanas aponta que ainda não chegamos à metade do ano, mas o Cerrado já atingiu um novo recorde de desmatamento, tanto no mês de maio quanto no acumulado anual, da série histórica, iniciada em 2019.

Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), entre janeiro e maio deste ano foram desmatados mais de 3.320 km² do bioma, um aumento de 27% em relação ao mesmo período do ano passado.

Para efeito de comparação, esse território desmatado nos primeiros cinco meses de 2023 equivale a quase duas vezes a área total da cidade de São Paulo. Em 2022, a ecorregião já havia registrado a maior taxa de desmatamento em sete anos: foram 10.689 km², segundo os dados oficiais divulgados pelo Prodes Cerrado, programa de monitoramento do Inpe.

Ao todo, 110 milhões de hectares do bioma (49% do total) já foram destruídos. Na maior parte desses locais foi implantado o cultivo extensivo de commodities agrícolas, principalmente soja, milho, cana-de-açúcar e algodão.

Para o professor Carlos Vian, a degradação ambiental na região é um resquício desse processo de expansão do Centro-Oeste, pois a ocupação pela agricultura levou à derrubada de grandes áreas. Para ele, temos leis rígidas que podem frear um desastre ambiental na região, mas que precisam ser respeitadas.

"A questão é fazer com que o Código Florestal seja seguido. Você tem um passivo de outras regiões e precisa manter a mata ciliar, recompor matas legais. Se isso for feito, e sabemos que a velocidade não é muito grande, vai ajudar muito. Já a questão do fogo no cerrado é natural. Todo ano tem e algumas árvores inclusive precisam do fogo porque senão suas sementes não eclodem", diz o professor.

Para ele, é necessário aumentar a capacidade de fiscalização contra o desmatamento, com operações conjuntas entre o Ibama, ICMBio e as polícias de cada Estado.

"O que precisa se preocupar com mais urgência é com as queimadas na Amazônia, mas está ocorrendo também uma expansão do agronegócio no Cerrado na área conhecida como Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia). É preciso se atentar a esse desmatamento, feito para viabilizar a construção de infraestrutura e estradas na região", alerta.

 

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